- Nãããããããooooo!!!!
Roberto acorda, empapado em suor
em sua cama. O quarto um arremedo daquele que foi, um dia, o quarto de um feliz
casal. Aquele pesadelo foi real, de alguma forma. Dúvidas ainda destruíam sua
mente, mas havia uma cruel certeza: Marcia estava morta.
Sentia-se como se tivesse sido
atropelado por um trem da CPTM... A garrafa de vodka, vazia, o lembra daquilo
que tentava esquecer, e ainda ecoava em sua cabeça o grito do pesadelo
recorrente, todas as noites a mesma cena, a mesma mulher...
Ainda zonzo vasculhou a
geladeira, só embalagens vazias e restos pútridos daquilo que não teve coragem
de engolir... - Ah, que merda... Vou
ter que me virar na rua mesmo... – Pensou, jogando uma água fria no rosto
tentando despertar...
As imagens do pesadelo ainda estavam
na cabeça dentro do chuveiro, com a água batendo, e não deixando esquecer o que
aconteceu: Marcia estava morta, eles a mataram, uma “gang”, um culto, sabe-se
lá... Ele investigava esse mesmo culto, já haviam acontecido pelo menos quatro
mortes nas mesmas circunstâncias. Mas encontrar a própria esposa nessa mesma
situação...
Já pronto saiu na rua e foi em
direção ao carro, absorto em seus pensamentos. Afinal, após tudo o que
aconteceu, foi afastado do trabalho. O trabalho policial necessita de alguma
isenção, e quando acontece COM VOCÊ, complica a percepção das coisas. Nesse
momento, sentiu um arrepio na nuca, uma sensação de ser observado. Olhou em
volta e não percebeu ninguém em especial. Na esquina, uma figura meio esquisita, alta, roupa
escura, cabelo longo. Apertou o passo, mas ao chegar à esquina, ninguém. “Deve
ter sido minha imaginação...” pensou.
Na Delegacia, os olhares de
compaixão ainda o perseguiam, pessoas que sentem pena, inveja...
- Delegado...
- Bom dia, Delegado...
De sua boca, mal saiam
grunhidos... A vontade ainda era de ficar na cama, tomar mais uma garrafa de
vodka, e tentar esquecer.
- Delegado Bellucci, precisamos
conversar...
- Pode ser outra hora, Doutora...
Tenho uma delegacia pra tocar...
- Agora...
- Ok...
A Doutora Silvia, psicóloga, foi
designada para ajudá-lo a superar o trauma de ter encontrado, na cena de um
crime horroroso a esposa, fora de casa havia dois dias, morta...
- Dr. Bellucci, o senhor precisa
se abrir... Para poder superar o trauma, afinal não esperava que a próxima
vítima do culto fosse a sua esposa...
- Doutora, falar sobre isso me
cansa, pra dizer o mínimo, mas já que insiste... Marcia tinha ido visitar a mãe
em Botucatu. Para mim, estava na estrada...
- Visitar a mãe?
- Bem... Tínhamos brigado... Ela
tinha ido para a casa da mãe, esfriar a cabeça, por isso não estranhei a falta
de contato...
- Hmmm, prossiga...
- Enfim, tocou o telefone de
madrugada, era o investigador Gian, a voz estranha...
As lembranças vieram a tona, como
um soco bem dado na boca do estômago. A voz de Gian ao telefone era lúgubre,
carregada...
- Doutor... O senhor precisa vir aqui... Encontramos mais uma...
- O que foi Gian? Algo errado? Diferente?
- Não doutor, modus operandi igual... O problema é... A vítima...
- Na hora o sangue gelou e eu
soube... Era ELA... Tive que ver com meus olhos... Enquanto me dirigia ao
local, a única coisa que eu podia dizer era: “não, não, não...” Me aproximei do
local e o pessoal da “Depê” foi chegando, me preparando, mas eu não ouvia
nada... Só via um corpo coberto com um lençol... Reconheci a pulseira, presente
de aniversario, e a tatuagem no tornozelo... Depois disso... me lembro de cenas
esparsas, velório, enterro... vodka, vodka, vodka... e os sonhos...
- Que sonhos?
- Ah, não te contei, né? Tenho
tido sonhos recorrentes... Vou entrando numa caverna, um cheiro forte...
Enxofre, acho... Um ruído estranho, murmúrios, parecendo aqueles mantras
indianos. Conheço mantras porque Marcia era budista, ouvia gravações com
eles... Enfim, chego mais perto, um salão grande, pessoas encapuzadas
murmurando coisas que não entendia, mas parecia latim...
- Sei...
- Num altar, uma mulher amarrada
se debatia, tentava se livrar...
- Marcia...
- Sim... Quando vejo que é ela
tento correr, mas as pessoas me impedem, chega uma figura alta, grande mesmo,
uns dois metros, dois e vinte... Brandindo uma adaga, ergue o braço... Marcia
me vê, e grita meu nome... “Betoooo...” e eu acordo...
- Você vê a cena da morte dela...
interessante...
- Desculpe, doutora, mas tenho
que ir...
Levantou-se e saiu da sala... Praticamente
corre para o banheiro, faltava-lhe o ar... Rever, mentalmente, essas cenas lhe
fazia muito mal. Teve que lavar o rosto e esperar uns dez minutos para voltar a
sua sala. Ao entrar veio na seqüência o Investigador Gian.
- Delegado?
- Oi, Gian... Diga aí o que
temos.
- Ainda nada, chefe... Os
vestígios indicam alguma espécie de ritual, velas negras, desenhos
esquisitos...
- Alguém consultou algum expert no assunto?
- Ainda não, chefe... Bem... A
galera está ressabiada, com medo dessas coisas, sabe?
- Santa Mãe... Isso é coisa de
gente maluca, Gian... Essas coisas de Diabo, Demônio... Não existem! É coisa de
doido a fim de matar gente e usa essas porras como desculpa... MAS, existem os
outros malucos que entendem dessas coisas e podem nos ajudar...
- OK, chefe...
O telefone tocou, era o Delegado
Geral. Queria falar sobre o ocorrido. Marcou no dia seguinte.
Almoçar foi difícil, as pessoas
felizes nas mesas dos restaurantes, as conversas... Comeu algo pra não cair
duro, mesmo... Mas de novo sentiu aquele arrepio na nuca, a sensação de ser
observado.
Na hora pegou sua 9mm e segurou
entre as pernas. “Acho que esses putos estão me observando de alguma forma...”
– pensou. Através da janela, do outro lado da rua, a tal figura de sobretudo
negro... Levantou-se correndo, derrubando uma mesa, umas bandejas, só que ao
chegar na porta, sumiu!
“Cazzo! Vou parar com essa porra de vodka, está corroendo meus
miolos!” Pensou... Pagou a conta e voltou para a Delegacia...
- Gian, precisamos de mais
evidências. Vamos voltar ao local, a Policia Científica liberou ou ainda é
nosso?
- Ainda é nosso, chefe, mas...
tem certeza?
- Absoluta, Gian. Bora, agiliza a
viatura.
- Ok, chefe!
Foram até o local do crime. Era um
local afastado, aproximadamente meia hora de São Paulo, no meio da Serra da
Cantareira, umas grutas encravadas na Mata Atlântica e, pelo jeito da vegetação
em volta, não catalogada pelo Estado. Ainda estavam lá as faixas amarelas e
pretas, luvas usadas pelos peritos, a mancha de sangue...
Dentro da caverna, mais para uma
“boca do inferno” enorme, foram descendo e encontrando velas negras já
apagadas, tochas, e no final adentramos a um salão. O salão parecia entalhado
pela mão humana na própria pedra, não havia indicio de argamassa, tijolo ou
algo assim, tudo esculpido na própria rocha, para formar uma espécie de
“capela”, incluindo um altar.
No centro, esse altar, num ponto
mais alto. Chegando próximo ao altar, se aproxima o agente Lima, da Policia
Cientifica.
- Boa Tarde, Doutor...
- Fala, C.S.I. O que me diz?
- Primeiro, meus sentimentos,
doutor...
- Obrigado...
- Enfim... Digitais compatíveis,
somente as da vitima. O autor tomou o cuidado de usar luvas, ou simplesmente
não possui...
- Como assim, não possui?
- Como disse, pode ser luvas, mas
nós achamos marcas não-identificaveis... Existem casos de pessoas que nascem
sem digitais, ou por contato com produtos químicos abrasivos acabam por
perderem as digitais...
- E DNA?
- Poxa, Doutor... Gostaria que
fosse igual seriado de TV americano, como o senhor fala... Procuramos umas
fibras, de repente um cabelinho... Fibra de tecido foi fácil, parece que tinha
algum tecido escuro no “culto”, pois muitas fibras foram encontradas tanto aqui
em cima, quanto lá embaixo... Agora CABELO, para DNA, difícil... Só cabelos da
vitima e alguns pêlos, identificados como de animais... pelo visual... DNA
demora muito por essas bandas...
- Tá difícil... – resmungou mais para ele mesmo
do que para a equipe. Eles faziam tudo o que podiam, ainda mais depois da
Marcia ter se tornado uma das vitimas. Gostavam muito dela...
- Doutor, nós vamos descobrir
esses caras, agora é questão de honra, foi com gente da família...
- Valeu, C.S.I... Liminha, como a
Marcia dizia...
O Lima deu-lhe um abraço,
daqueles que chegam a ser até embaraçosos, e disse:
- Nós somos os caras bons, chefe,
“the good guys”... O Homem lá de Cima
vai nos ajudar...
- Se você ainda acredita nele...
Eu já entreguei os pontos...
“Não faça isso, ELE ainda
acredita em você...” Uma voz disse isso, dentro da cabeça de Roberto, que se
arrepiou todo.
- Você ouviu isso, C.S.I.? –
Perguntou ao Lima, ainda enxugando as lágrimas.
- O que, Roberto?
- Alguem falou, alto e claro,
“Não faça isso, ele ainda acredita em você”!
- Ave Maria, Roberto... Ouvi não! – E desandou
a fazer sinais da Cruz – Vamos sair daqui, esse lugar tem uma energia ruim...
Saíram da caverna, Lima estava
branco feito uma cera e Beto com a cabeça a mil por hora.
“Era só o que me faltava, aquela
psicóloga na minha cola, os sonhos e agora alucinações...”.
...
Fim de expediente entra o
delegado de plantão, um cara novo. No caminho repassou tudo que aconteceu hoje,
encontro com psicóloga, ligação da Delegacia Geral, a visita ao local do crime.
E claro, as alucinações visuais e auditivas. Como pode? Abriu a porta, e olhou
para o apartamento... Era a primeira vez que saía de casa, então o choque da
chegada ainda não tinha ocorrido. A lembrança de chegar em casa com cheirinho de
comidinha pronta (mesmo que fosse comida congelada) era excelente. O sorriso
fácil nos lábios, uma historia da rua, de como tinha sido seu dia, uma massagem
nos pés após o banho, ela me pedindo pra contar historias das suas “peripécias
policiais” como ela chamava... E ela dormindo no seu peito, depois de um dia
cansativo...
Essas lembranças vieram a cabeça
a medida que entrava em casa, agora num silencio quase sepulcral. Tirou o
sapato no corredor, entrou no quarto. O quarto se parecia com aqueles cômodos
ocupados pelo Duas-Caras, inimigo do Batman... metade lindo, limpo... outra
metade suja, quebrada, com garrafas vazias espalhadas...
Aqueceu um daqueles lanches
prontos no microondas, abriu uma garrafa de vodka e, antes da metade da garrafa
já estava dormindo... Só pra sonhar, sonhar de novo com aquela cena...
Despertou no meio da madrugada,
após ouvir pela enésima vez o grito
dela... Chovia torrencialmente na cidade. Foi até a janela, olhar a chuva
caindo, quem sabe lavar a alma com ela. É quando olhou pra baixo e a tal figura
longilínea o encarava na esquina... Subiu um arrepio na espinha, e não teve
duvidas: pegou sua arma e desceu. “Agora eu pego esse desgraçado, fica me
perseguindo...”
Saiu pela portaria do prédio, de
calça e camisa, sem sapato e arma em punho. Lá estava a figura encarando, uns
cem metros. Apontou a pistola para ele e gritou:
- Policia, meu! Fica parado!
Quando chegou a uns vinte metros,
ele deu as costas e dobrou a esquina.
- Parado, cacete!
Beto dobrou a mesma esquina nem
10 segundos depois dele e... NADA. Evaporou... Mas parecia BEM real. Não era
alucinação, não, era alguém provocando, perseguindo...
Voltou pra casa e passou o resto
da madrugada sentado no sofá, arma em punho esperando...
O dia nasce e nada da figura
aparecer de novo. Sendo assim, tomou seu banho e retomou a vida... ou o que
poderia chamar de vida...
O primeiro compromisso do dia foi
ver um “especialista” que o Gian arranjou... O cara tinha pinta de “Paulo
Coelho dos Pobres”, até aquele rabinho-de-cavalo ele usava.
- Bom Dia, Delegado Bellucci.
- Bom dia, senhor?...
- Gatto, Pedro Gatto, a seu
dispor... – Quase não pude conter o riso, “Gatto” por Coelho, santa ironia,
Batman...
- Pois não, senhor... Gatto. O
que o traz aqui?
- Seu investigador me procurou,
disse que o Senhor queria um sensitivo no caso...
- Na verdade, queria alguém que
conhecesse desse tipo de ritual, ou possível ritual das quais as vitimas
participaram. O senhor é familiarizado com esse tipo de ritual?
- Familiarizado, o senhor diz,
participante? Estou sendo investigado?
- Não, senhor, imagine... Quero
somente saber o que se passa na mente desse tipo de gente...
- Bom, não participo de nenhum
“ritual satanista”, se é isso o que o senhor precisa saber, mas li muito sobre
Ocultismo, e talvez essas pessoas estejam praticando rituais de invocação.
- Invocação? Conte-me mais....
- Parece que pretendem invocar
algo... do além...
“Essa historia está ficando
complicada... Agora vou ter que arrumar um exorcista...” – Pensou Beto,
incrédulo. Nesse momento o homem se levantou, aproximou-se e disse pondo a mão
no seu ombro:
- Soube que a ultima vitima fora
sua esposa, delegado. Minhas sinceras condo....
Ao por a mão no ombro do
delegado, o homem parece que levou um choque de 220 volts, grudou no ombro,
estalou os olhos por uns segundos, depois soltou e caiu no chão, inconsciente.
Após uns 15 segundos de susto, o
Gian chegou na sala e os dois levantaram o homem. Atordoado, ele conseguiu se
reerguer com dificuldade e sentou-se na cadeira.
- Delegado, sabe que sou sensitivo.
- Não, pra mim o senhor era um
escritor, desses ratos de biblioteca que aparecem na TV falando de coisas de
bruxaria...
- Delegado, ao tocá-lo senti uma
energia muito forte. Algo muito poderoso, e muito próximo do senhor. O senhor
parece destinado a algo grandioso mas, ao mesmo tempo obscuro... Não tem algo
que gostaria de me contar?
- Não. Definitivamente não, sou
somente o delegado responsável pelo caso. Coincidentemente minha esposa acabou
por se tornar uma das vitimas, mas não me torna ninguém especial.
- Caso resolva mudar de idéia, me
procure... – Me estendeu seu cartão. Um cartão preto, com seu nome e telefone
impressos em prateado.
- Tenha um bom dia. – e saiu,
ainda meio cambaleante da sala.
- Pô, Gian! Olha as figuras que
você me arruma! O cara veio cheio de “nove-horas”, falando umas coisas de
ritual satanista, encosta em mim e tem um “siricotico”!
- Ai, chefe! Eu ouvi de lá da
frente, mas não consegui chegar, parece que a perna travou, meu joelho, sei
lá...
- Ah, se o cara tá armado tinha
levado um tiro antes de vocês me acudirem... To bem de equipe, viu?
- Não, chefe... Parece que “algo”
me amarrou aqui... Credo...
- Pára com essa porra, Gian! –
gritou, agora começando a ficar assustado... – Não tem nada de Capeta, Pé-Preto, Mochila-de-Criança
nessa porra!
- Pára, Chefe! Não chama não! E desandou a
fazer sinal da cruz, igual o Lima lá na caverna.
- Você e o C.S.I. podem dar a mão e... ir na
igreja... – Saiu da sala e foi ao
banheiro, se recompor. Afinal o susto foi meio bravo, mesmo.
Olhou-se no espelho e quase não
se reconheceu. Se assustou mas, depois, viu que era ele mesmo, só uns dez anos
envelhecido. Dez anos em dois meses... Jogou uma água na cara e, ao olhar no
espelho teve a nítida impressão de ver o “fantasma predileto” atrás dele,
encostado na parece e... sorrindo! Se virou e, pra variar NADA. Quer dizer,
quase nada... O chão do banheiro estava úmido, a faxineira tinha acabado de
passar um pano, e onde o viu parado, estavam nítidas duas pegadas, sequinhas...
“Preciso me concentrar, preciso
me concentrar...” Saiu do banheiro e foi para a rua, tomar um ar, ver o sol que
veio forte depois das chuvas da madrugada. A cabeça estava a mil por hora,
pensamentos desconexos vieram ao mesmo tempo na mente, que quase colapsou.
Achou que ia apagar no meio da rua, quando a Dra. Silvia apareceu em seu carro.
- Roberto! Vem, entra!
Entrou meio que por instinto, e
ela o levou dali para um bar. Sentaram numa mesa, do lado de fora. Mal podia
ouvir o que acontecia, a cabeça estava ainda girando quando chegaram dois chopp
e uns petiscos na mesa. Aí “acordou”.
- Ô louco, doutora! Não são nem
10 horas... E hoje eu tenho um encontro com o Doutor Bezerra.
- Esquece, Roberto... Eu ligo pra
secretaria do Dr. Bezerra, ela é minha amiga, e desmarco essa reunião. Agora
você precisa baixar essa adrenalina, essa tensão... Toma um chopp,
recomendações médicas...
Tomou o chopp num gole só, e
parece que foi relaxando. Agora os pensamentos estavam “só” a uns 100 por hora.
- Então, Roberto, o que aconteceu
com o “Paulo Coelho Genérico”?
- Pedro Gatto... É mole, Silvia?
Gatto por coe...
- Saquei, trocadilho infame... E
aí?
- Bem, muito estranho, o cara me
tocou e caiu duro, como se tivesse levado um choque de 220 volts. Depois veio
com um papo de eu ser “escolhido”, que tinha algo maior envolvido... Algo
obscuro...
- Bom, Roberto, eu sempre fui
meio cética a coisas relacionadas ao ocultismo, ou ao Espiritismo, religiões de
matriz afro... até ver de perto...
- E?
- E que é bem forte, e
perturbador, se você não tem um preparo... Aquelas pessoas que nunca de te
viram na vida, dizem na tua cara coisas que você esconde até da própria mãe...
Silvia parecia preocupada com
esse lado “oculto” do caso. O deixou de volta na delegacia, deu-lhe um beijo no
rosto e disse:
- Roberto, olha, fica esperto...
Esses caras podem REALMENTE estar mexendo com algo muito além do que sonha
nossa vã filosofia... Fica ligado.
Beto não contou para ela do
“Homem de Preto”, nem das vozes, para não assustá-la. Devolveu o beijo, desceu
do carro e entrou.
A Delegacia estava em polvorosa.
Uma nova vitima havia sido encontrada, só que dessa vez numa casa abandonada. O
Gian passou com seu paletó e o puxou para a viatura.
Seguiram pela Marginal até a
Lapa... Naquelas casas, perto da linha do trem, uma vielinha. Uma casa no final
da rua, que parecia abandonada a décadas, já haviam duas viaturas da PM, uma
delas do capitão Rômulo, amigo de infância que entrou na Academia do Barro
Branco pra virar oficial da PM quando todo mundo queria ir pra zueira e
farrear. Era o “Caxias” da turma, talvez pelo pai também ser oficial PM.
- Rômulo! Digo, Capitão Rômulo
Trento.
- Pára, Bellucci! – deu-lhe um
abraço de urso, estava começando a se acostumar com esses abraços – Fiquei
sabendo da Marcia... Agora, um desses casos cai na minha cabeça...
- Valeu, Rômulo. Pois é... O que
temos?
- Vizinhança reclamou de um
cheiro forte, acionou o COPOM e uma viatura veio verificar a ocorrência.
Chegando deparou com uma cena que... bem, o soldado que viu está na porta da
casa e pode te dar mais detalhes. Soldado?
Não se acostumava com a
disciplina dos PM’s. O Cap. Rômulo chamou o soldado dele, que estava a uns 50
metros, sentado num banquinho provavelmente de algum dos vizinhos. Se levantou
e em dois segundos estava batendo continência para os dois.
- Soldado, esse é o Delegado
responsável pelo caso, Dr. Roberto Bellucci. Reproduza para ele o relatório que
me passou.
- Entendido, Senhor. A viatura
atendeu o chamado da COPOM as 23h45, chegando no endereço indicado, uma fumaça
podia ser vista do local, saímos eu e meu parceiro da viatura, quando uma figura
envolta num manto escuro saiu pela porta, portanto uma arma branca na mão
direita. Imediatamente pulou o muro que faz divisa com a via férrea.
- Pode me descrever a arma
branca, soldado?
- Positivo. Era uma adaga, uns 20
centímetros, com três lâminas formando um tridente. Ainda suja de sangue,
senhor.
- E o suspeito, pode descrever?
- Porte alto, senhor. BEM alto,
uns dois metros, dois metros e quinze...
Exatamente como via no sonho. A
figura muito alta, a adaga...
- Vocês perseguiram o suspeito?
- Meu parceiro entrou no imóvel
enquanto eu saí em perseguição a pé atrás do suspeito. Mas foi em vão, pois ao
saltar o muro não pude mais ver o suspeito, apenas uma fumaça, uma névoa... –
Se virou ao comandante – Posso falar livremente, senhor?
- A vontade, soldado.
- Delegado, eu sou PM, do Tático,
entro em confronto com traficante, ladrão de banco, o que vier... Na hora eu
tive certeza, que esse cara não era desse mundo...
- Como assim, soldado?
- Eu posso jurar, doutor... eu VI
ele sumir numa coluna de fumaça...
- OK, pode seguir com a ronda,
Soldado. – Rômulo dispensou o soldado e entraram na casa. Lá dentro estava o
Lima, com seus equipamentos de “Professor Pardal”, bem como o soldado que
entrou no imóvel, que bateu continência para o Comandante.
- Passa o relatório pro doutor,
soldado.
- Sim, senhor. Enquanto meu
parceiro saia em perseguição a pé atrás do suspeito, adentrei ao imóvel em
busca de mais suspeitos. Entrando me deparei com essa cena...
A sala parecia preparada para um
ritual. Pinturas estranhas por todas as paredes, no centro da sala, uma grande
mesa, aparentemente uma mesa de jantar antiga, e deitado estava o corpo inerte
de uma moça. O peito aberto, o coração faltando...
- Lima? E aí?
- Morta a pelo menos 2 horas.
Esses homens não conseguiram chegar a tempo de evitar a morte dela, mas
preservaram o local de crime. Não existem marcas das botas da PM no local.
- E de mais alguém?
- Negativo... Olha, Roberto, esse
chão não vê vassoura há uns trinta anos. Olha a camada de poeira. Não tem, além
da minha e do fotógrafo, mais nenhuma pegada.
- Nenhuma?
- É, nenhuma... Mesmo se a moça
tivesse sido só desovada aqui, o que não foi pelas evidências, as marcas de
sangue, teriam pelo menos algumas marcas... NADA! O cara parece que entrou
“levitando”!
Após mais algumas análises, os velhos amigos
separados pelas diferentes corporações se abraçaram, trocaram elogios do tipo viadinho fardado e bundão de paletó, combinaram um futebol para um dia qualquer e
foram embora. Roberto finalizou a ocorrência e voltou para casa. Afinal na
manhã seguinte teria uma conversa com seu superior.
Doutor Bezerra era um homem que,
quando Policial de rua foi barra pesada, ex-PM da ROTA. Mas depois que mudou
para a Civil passou a “pegar mais leve”... Enfim, virou burocrata...
- Dr. Roberto, sente-se. – Disse
ele, de forma seca.
- Pois não, Doutor. Sobre o que o
senhor queria conversar?
- Sem rodeios, Dr. Roberto.
Recebi o laudo da terapeuta que está cuidando de você, do seu caso.
- Sim?
- E decidi afastá-lo. Não só do
caso, mas da Policia Civil, temporariamente.
- O QUÊ? O que essa vaca disse? –
sentindo-se traído, afinal Silvia tinha, aparentemente, se tornado uma amiga.
- Doutor! Muito cuidado com a
forma que o senhor se dirige! Não se esqueça que quem decide se fica ou vai SOU
EU!
- Desculpe, me excedi...
Dr. Bezerra fora o primeiro
delegado com quem Roberto trabalhou, ainda quando era substituto. Se tornou
titular quando o Secretário o designou a Delegacia geral.
- Roberto, é temporário, mas você
será periodicamente avaliado. Se for verificado que sua condição mudou, você
estando apto, retorna... Entendeu?
- Mas, doutor...
- Sem MAS... A decisão já foi
tomada, o próprio Secretário de Segurança Pública achou melhor assim, dado o
seu envolvimento emocional...
Esse caso vinha repercutindo
muito mal na imprensa. Afinal Marcia não foi a primeira, mas a quinta vitima
desse ritual macabro. Saiu da Delegacia Geral desacorçoado... O impediram de
achar o assassino da sua mulher!
Passou o dia bebendo, pra
esquecer os últimos acontecimentos. Quanto deu por si, estava na porta do
Cemitério... Um Cemitério-parque, tranquilo, sem lápides, só um gramado
infinito com placas indicando o local da sepultura. O tempo mudou de repente,
uma chuva fina começou a cair enquanto se dirigia a sepultura...
“Marcia, meu amor... Eu juro que
vou achar o desgraçado que fez isso...”.
- Estou contando com isso. –
Disse uma voz atrás dele. De sobressalto se virou, arma na mão. Ninguém...
- Alto! Que porra é essa?! – A
única coisa a frente era uma arvore, há uns cem metros...
- Você é o melhor, Roberto. Por
isso escolhi você... – De novo a voz, na sua nuca, os cabelos eriçaram e se
virou de novo...
...e NADA! Primeiro alucinações,
agora vozes. Algo na sua mente definitivamente arrebentou...
Deu de cara com uma figura alta,
longilínea, uns dois metros de altura. Trajava um sobretudo preto, e tinha
cabelos longos.
- Precisamos conversar, Roberto.
Tenho uma missão para você. Só VOCÊ é capaz de cumpri-la.